Foto histórica

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Trote da turma no ano de 1977

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Mensagem do Paraninfo para a 10ª Turma de Agronomia nos seus 30 anos de formatura.


Aos meus queridos afilhados, colegas e amigos da 10ª Turma

Uma das coisas mais agradáveis ao meu espírito é o ato de escrever. Meu psicólogo me disse que escrever gratifica mais que o sexo, o clímax não chega nunca e sempre estamos em busca do ideal da perfeição. Foi mais para consolar-me, eu sei, mas gostei dessa observação. Confesso que me embaracei depois da carta de convocação do Hélio para gravar umas palavras no blog de 30 anos. Não compreendo bem o que significa blog, mas, vamos lá.
Não sei por onde começar, se pela Faculdade, pelo meu inusitado processo de admissão para ingresso como professor, pelas recordações da turma e de alguns de seus componentes, ou pela honra com que me agraciaram os formandos ao me escolher de paraninfo. Pensando bem, vou tratar desses temas todos. Às favas a concisão e a objetividade.
Começo por mim, afinal sou do signo Leão e ainda nascido em 13 de agosto. Sinto-me escusado e plenamente justificado por meu individualismo, não é egoísmo. Sem pejo digo-lhes que fui o único professor da UPF escolhido pela elegância no vestir. Em março de 1975, já em curso o semestre letivo e a Agronomia sem professor de Zootecnia. Apresento-me na Secretaria como candidato e sou recebido pelo Gilson Fontoura, ausente o legendário Diretor Rodoaldo Damin. O arguto secretário mira-me com atenção, um misto de admiração e perplexidade. Pede-me o currículo e o exibo confiante. Tinha ordem do Diretor de contratar o primeiro que chegasse, afinal as vozes de protesto dos formandos de 1975 já se faziam ouvir. Ao final das orientações burocráticas e documentais, verbaliza uma benigna apreciação acerca de minha elegância, sem resvalar para uma outra ainda mais delicada sobre minha beleza. Não era para menos. Impactou-lhe meu casaco em tom grená entremeado de pontinhos da mesma cor, o que se chama no jargão francês da moda, “ton sur ton”. Linda a combinação, camisa lilás, de seda, gravata branca. Não viu Gilson a parte do vestuário abaixo da cintura, a calça grená e o sapato que brilhava, encoberta pelo balcão. Foi o bastante para ser admitido.
Meu primeiro dia de aula foi tão nervoso quanto o dia em que reuni coragem e inspiração para declarar meu amor àquela coleguinha de jardim de infância dona de lindas pernas alvas e volumosas para seu tamanho. Apresento-me ao Diretor para o primeiro dia de aula. Não queria saber de conteúdo programático e coisas do gênero, ordena-me ir direto à turma dizer quem eu era. Recuso-me a esta via tão sumária e peço-lhe sua companhia sem saber o que me esperava. “Esse é o novo professor de Zootecnia”, anuncia. Lembro-me de palavras tais como “não havia outro, só ele se candidatou; o semestre já conta 30 dias e vocês podem atrasar a formatura”. Nenhuma palavra de incentivo e louvor.
Só mesmo um leonino poderia encontrar e superar tal circunstância. Não somos egoístas, somos egocêntricos sérios, nos bastamos a nós próprios. Quando entendemos a justeza da causa não olhamos para mais nada e não medimos conseqüências. Minha carreira começou com um tropicão, entretanto foi além de minha mais otimista expectativa.  Essa é outra história.
Devo falar sobre a 10ª Turma da Faculdade de Agronomia da Universidade de Passo Fundo. Antes mesmo da formatura, já tinha vínculo estreitos com alguns de seus componentes. Vou rememorar alguns fatos importantes e alguns personagens.
A Turma tinha uma notória característica negativa, só havia uma representante feminina, a meiga e querida Jôse Mari Guedes. Hoje neste quesito nossa Escola e nosso Curso são uma maravilha. Nunca mais vi nossa colega e dela nunca mais tive noticias. Soube que havia se radicado no Paraná. A informação mais recente é de que estaria atuando na Divisão de Controle de Vetores da Secretaria Municipal de Saúde em Ribeirão Preto (SP).  Espero suprir essa carência no encontro de sábado.
Alguns da Turma eram chamados pejorativamente de cochonilhas, aqueles insetos homópteros coccídeos, que, revestidos de substâncias cerosas, se aderem a distintos órgãos das plantas para sugar-lhes a seiva. Os detratores diziam que o hospedeiro era um professor, mais tarde escolhido Patrono. Esse pequeno grupo variava no número de componentes segundo as circunstâncias e oportunismos, alguns entravam e saiam, com mais ou menos tempo de permanência. Certos colegas se insurgiam à mera suposição de que poderiam ser considerados membros dessa sociedade semi-secreta. Os mais fiéis se defendiam e diziam em seu favor que sempre estavam a sugar a doce seiva do saber e não eram, de nenhuma forma, parasitas. A controvérsia ainda não se esclareceu, penso que nunca haverá de se esclarecer cabalmente. Só sei que um dos mais fiéis deste grupo é hoje professor de Entomologia.
Com Boller, Hélio e Fontanelli percorremos os colégios públicos de Carazinho a falar de ecologia e dos males provocados pela poluição do ar das águas a jovens mais ligados do que os de hoje. Quando o Boller, com sua suíça e calvinista seriedade, fazia previsões catastrofistas, a gurizada esbugalhava os olhos e permanecia boquiaberta de pavor por longos minutos. Hélio era menos dramático; Fontanelli, bom expositor, mas também interessado em levar conversas paralelas com as professoras em ordem decrescente de beleza. Como bom coordenador, eu o ajudava com empenho exagerado nessas agradáveis tarefas.
Miranda cito-o muito por aí pela pronta e bem-humorada resposta à que Osvaldo Loblein me fez “se se podia criar porco no trevo?”. O hoje destacado pesquisador da Embrapa emendou, sem dar-me tempo de articular uma resposta, que “isso seria muito perigoso pois os porcos poderiam ser atropelados pelos caminhões”. Perfeito, frase espirituosa. Não pude deixar de apreciá-la com o riso inocente e sem intenção de escárnio. Assim não entendeu o inquiridor, que, zangado, se retirou da sala. Peço a ele tardio perdão. Em meu socorro digo que a pergunta foi insuficientemente elaborada e formulada. Poderia ser “pode-se criar suínos alimentados com trevos (Trifolium spp)? A resposta seria outra, contudo nós teríamos desperdiçado uma linda e jocosa recordação.
Com o Adelmir encontrei-me fugazmente em diversas ocasiões, ele sempre esfuziante, jovial, carinhoso, parecido a um guri. Adoro a jovialidade.
O Driessen se enfurnou em Joaçaba, nunca mais o vi. Com o Ramiro me encontro amiúde nas caminhadas domingueiras pela Flores da Cunha em Carazinho, considerada a maior avenida do mundo em relação ao tamanho da cidade. Trabalhar com os chineses agricultores não deve ser coisa fácil, mas ele segue altivo e persistente, o que denota sua paciente competência profissional.
César Farias é bem considerado profissional que trabalha com empresa Agropecuária em Lagoa Vermelha. Sócio de Getúlio Cerioli, formado na UPF e atual prefeito, também teve mandato como vice-prefeito municipal.
Dario Gusatti milita nas consultorias e hoje é professor de curso de pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho na UPF. Um dia chamou-me para acompanhar um cidadão do Kuwait (que, em nome da pureza da língua de Camões, os portugueses chamam de Coveite) a uma gira pecuária pela Campanha Gaúcha, incluindo Bagé. Fomos os três. Lá na emblemática Conquista, do colega Nilo Romero, o sol quase se pondo, um calor abrasador, eu, cheio de entusiasmo, a dar explicações. Eis, senão quando perco de vista o seguidor de Mahoma. Avisto-o voltado para Meca, descalço, ajoelhado, reverente e contrito, a pronunciar suas preces e orações. Longos minutos passamos os dois a contemplar a comovente demonstração de fé. O peregrino levanta-se e, ainda em transe, pede-me que continue a explicação subitamente interrompida. Demorei alguns segundos para recompor-me, mas segui minha arenga.
Com Edésio tive poucos contactos, a despeito de que vivia em Santa Bárbara do Sul. Um dia, constatei que precocemente havia branqueado seus cabelos. Não pude, no entanto, ajudá-lo a superar esse trauma. Ainda não conhecia, como hoje conheço, a receita das sete manhãs de ingestão em jejum de gergelim preto indiano e o tonalizante alfaparf grafite na oitava, a qual sigo com disciplina já faz uns quatro anos. Os cabelos ficam lindos e despertam admiração e interesse no outrora sexo frágil, inclusive nas de menor idade.
O Gelson Mello de Lima sempre lambeu sal nos rodeios próximos a Carazinho. Primeiro foi da extinta Coopera, onde se desempenhou com invulgar brilho, de acordo com sua maiúscula inteligência. Depois foi para a Cotrijal galgar destaque e postos importantes. Dizem que não se faz nada naquela importante Cooperativa sem sua anuência. É uma espécie de Cardeal Richelieu do presidente.
O Hélio tem defeitos e virtudes, como qualquer humano, mas só conheço estas, que não são poucas. A cadeira de ovinocultura que teve professores itinerantes de outras instituições, agora é exemplo para o Rio Grande do sul. Sabe preparar boas receitas com a carne do bichinho do pull-over, mas não me convida nunca para prová-las em sua casa. Aliás, nem a mim e nem a ninguém. Vou guardá-lo no baú de minhas melhores recordações por dois grandes motivos. Primeiro porque teve a inspiração de implantar lindo projeto de pastoreio Voisin com ovinos na área do Cepagro. Segundo, porque, com a perseverança de sempre, soube influir sobre meu filho André e despertar nele acendrado amor pelos ovinos. A modéstia me impede de ser mais enfático e ufano, mas o guri é dos melhores especialistas na matéria no continente. Ele tem boa genética paterna, isso é certo, mas a contribuição heliocêntrica foi decisiva. Está agora de Diretor da FAMV, o que me regozija sobremaneira.
Ao Falcão sou ligado pelo nome. Algo pretensioso seu significado, mas tenho de decliná-lo. Em grego, Humberto, “gigante e brilhante”. Foi o primeiro dos dois alunos que tive com esse lindo nome, não raro, mas longe de ser comum. Meu tocaio só me deu motivo de orgulho, por sua fina educação lusitana, seu destaque profissional, elevada capacidade como agricultor e empresário. Ensaiou-se como voisinista por duas vezes. Primeiro em Soledade, depois em Primavera do Leste (MT). Honrou-me com o pedido de consultoria. Penso que falhei. Não o entusiasmei o bastante ou não soube demonstrar-lhe com fatos e dados as imensas potencialidades pecuárias dos dois locais. Não concretizou seu projeto em nenhum deles. Ainda há tempo.
 O Jaime Effting nunca havia visto depois de 1981. De uns anos para cá veio com tudo nas ondas da rede web. Manda a mim e a todos mensagens tão dissímeis e variadas quanto as cores do arco-íris, sem nenhuma conotação paralela ou alusão de suas preferências. Algumas das mensagens são picantes e amenas (as melhores), outras moralistas, outras de parcialismo político-ideológico, muitas surreais neste fantasmagórico mundo da comunicação instantânea.  É dos mais prolíficos neste mister. 
João Reichert, ah o João Reichert! Era um dos mais notórios coccídeos, agora é excelente professor de entomologia, tudo a ver. Bom amigo e colega, esta na linha da sucessão para ser o terceiro da turma a dirigir a Faculdade. É repassador contumaz das mensagens efftinguianas.
Aprecio muito o Lisberto Albertoni, tantos são os motivos. Foi trabalhar na Sadia e aconselhou seu Diretor a implantar projeto Voisin em sua Fazenda nas serranias de Irani/SC. Teve a coragem de indicar-me como o encarregado da missão. Não tem do que se arrepender, a fazenda é hoje referência na pecuária de corte do vizinho estado. É dos mais acatados executivos da grande empresa agroindustrial. Para um nativo de Aratiba já foi muito longe, mas não levem surpresa se um dia for guindado a presidente.
O Osvaldo nunca mais soube dele, mas a ele já me referi. Foi o organizador das solenidades de formatura e convivi com ele por conta disso. Esquecemos o incidente mirandense, cientes dos deveres a cumprir. Homens verdadeiros agem assim. Tenho notícia que é alto executivo da empresa Kasper & Cia Ltda, no MS, empresa nativa de Carazinho, para a qual trabalhei como consultor nas fazendas do centro-oeste.   
Com o Norton falei uma vez por telefone e dele nunca mais soube mais nada. Sua voz era de alegria, a mesma que ressoava nos tempos da UPF. Soube que tem mestrado em Eng.-Ambiental e trabalha em empresa que avalia os impactos ambientais da “Rodovia do Parque” – Porto Alegre Esteio.
Do Raul tenho a noticia de que é potentado agricultor vacariano. Dele um cliente meu de São Francisco de Paula, comprou milho para compor um concentrado e ganhou polpudo desconto em função de suas ligações afetivas com a fonte indicadora. Grato.
O Renato é um caso à parte. Sempre primou pela impulsividade. Inclusive, na viagem de suinocultura a Concórdia, desferiu um murro no Zico, inocente mas o primeiro a ser encontrado em sua frente. Professor de forragicultura e pastagens na UPF, ainda não conseguiu vislumbrar as imensas vantagens que poderá usufruir a pecuária gaúcha com o sistema Voisin aplicado em larga escala nos nossos campos nativos, secularmente explorados sob a égide do pastoreio contínuo e predatório. A despeito dessa diferença, não hesitei um só minuto em apoiar ostensivamente sua pretensão em ser vice-reitor da UPF. Perdemos, não sei se o candidato era ruim ou cabo eleitoral, pouco convincente.
Do Sérgio lembro-me que se encrencou com alguns militantes estrelados, os dos tempos em que eram intolerantes, mas empolgados e sinceros. Estas características já fazem parte do passado. Quando pude externar minha opinião a seus desafetos, disse das excelsas qualidades de meu afilhado e recomendei-lhes paciência no trato com as dissensões. Falei com o Sérgio a respeito e dei-lhe minhas sugestões de como agir nesses casos. Gostaria de ouvir-lhe.
Do Boller já falei, mas sigo.  Imaginemos que sucedeu o Prof. Flávio Annes na Mecânica e Máquinas Agrícolas. Conferiu às disciplinas uma dimensão científica e técnica antes desconhecida. Foi Diretor e se viu no meio de uma polêmica acirrada em virtude de minha participação na Comissão do INCRA encarregada de estudar novos índices de lotação na pecuária gaúcha. Foi tremenda a pressão que levou dos setores interessados em manter nossa pecuária atolada no secular atraso. Tinham até na instituição um professor que servia de aríete dessas causas inglórias. Seu íntegro caráter e sua inteireza moral souberam superar as borrascas e sair com ficha limpa. Certa vez fui ministrar conferência na UNESP Botucatu e, espontaneamente, veio dizer-me um professor do curso de pós-graduação que Boller havia sido um dos melhores alunos que havia orientado em toda sua longa carreira.
Deixei de mencionar alguns de meus afilhados neste texto, que espero não tenha sido em demasia longo e enfadonho. Para tanto, conto com a condescendente deferência a minha pessoa. Por onde andarão, que terão feito e de que se alimentaram nestes 30 anos meus colegas não citados, Aldi Rizzotto, Antônio Rubin, Carlos Machado, Doraci Alban, os dois Flávios, o sorridente Herivelto, o Jacir (Zico), Jairo, João Michels, Hildebrando, Mário, Milton, Nilton, Reneu e os Paulos? Quem puder ir à festa de sábado que fale de si. Isso me encherá de satisfação.
Acompanharam-me no quadro de formatura colegas que valorizaram minha condição de paraninfo. O patrono Elmar, da turma por onde me iniciei no magistério agronômico na UPF, sempre se destacou como professor, pesquisador, palestrante, consultor e comunicador. Moisés Soares é dos Engenheiros-Agrônomos mais conhecidos e valorizados do Brasil, mercê de seus inigualáveis conhecimentos de legislação e exercício profissional das engenharias (todas). Do Kipper teria muito a falar, mas basta dizer que um professor da UFSM, onde fora ministrar aulas de matemática, o considerava um gênio. Dei ao colega a mesma resposta dada ao de Botucatu quando se referiu ao Boller: “que estranho, lá na UPF é considerado dos menos brilhantes. Imagina tu se viessem os mais inteligentes.”. O Claud, quando foi homenageado pela turma, era considerado um menino prodígio, uma espécie de enfant gâté por sua notória inteligência. Os médicos de Passo Fundo o consultavam sempre sobre temas de toxicologia em humanos, aí estava a justificativa.
Nunca mais ouvi falar da funcionária Cenilda. Onde está?
Cabe-me encerrar. Só eu mesmo posso avaliar o quanto me satisfez ser paraninfo de uma turma de Agronomia. Agradeço a todos pela deferência honrosa e desejo a cada um o desfrute de saúde e plena felicidade. Guardo a esperança de estar com a Turma pelo menos até quando se tenham passado 50 anos daquela noite memorável em que lhes foi conferido o título glorioso de Engenheiro-Agrônomo.
Com carinho, afeto e emoção

Humberto Sorio Jr.

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